Esquecendo-me das coisas que ficaram para trás e avançando para as que estão adiante, prossigo para o alvo. (Filipenses 3:13)
Querido leitor e Ser de Luz, antes de mais nada permita-me começar este capítulo com algumas perguntas: você se considera preso ao seu passado? Você é capaz de desligar o interruptor do circuito que te conecta ao seu passado quando você quiser?
Caso você tenha respondido “sim” à primeira pergunta e “não” à segunda, você está lendo um livro feito especialmente para você. Caso contrário, este livro também é para você! Digo isso, porque nós somos a nossa história e a história, que nós contamos para nós mesmos da nossa história.Libertar-se do passado é uma missão ao mesmo tempo difícil e enigmática. A forma como vivenciamos o tempo, a temporalidade física e espiritual, é um verdadeiro mistério. Deixar o passado para trás, em seu devido lugar, ao mesmo tempo em que aceitamos, respeitamos e honramos a nossa própria história, é algo que, de fato, exige muita maturidade. Esse assunto merece maiores explicações, que farei nas páginas seguintes. Mas, antes de começarmos, deixo ainda outra pergunta: afinal de contas, o que é o tempo?
Tempo passado, tempo presente e tempo futuro… Quando eu falo em tempo, fico aqui imaginando o que será que vem à sua cabeça. Em minhas reflexões, eu parti inicialmente da concepção de que o tempo é algo que transcorre independentemente de nós. Se percebemos ou não percebemos o tempo, sua passagem é irreversível. Isso é algo que compreendi assim que comecei a me indagar sobre o tempo na Terra.
Em seguida, compreendi que, de forma geral, a única consciência que temos do tempo dá-se pela cronologia. Percebemos e contabilizamos o tempo e sua passagem através das horas: os movimentos dos ponteiros de um relógio, a hora atualizada com precisão digital em nossos celulares, smartphones e computadores etc. Tudo isso se relaciona, afinal, com a deslocação de todo o planeta Terra ao redor do Sol, em movimentos de rotação e translação.
O ser humano percebeu, há milhares de anos, a existência dessa periodicidade temporal. A partir daí surgiram vários tipos de calendários lunares e solares e formas de contar a passagem das horas. O tempo dos homens passou a ser medido em dias, meses, anos.
Essa concepção de tempo em movimento também criou divisões entre presente, passado e futuro, e entre frações de minutos, segundos e horas. Essa é a cronologia humana. Dentro dessa divisão, um dos maiores desafios do ser humano é entender que existe tempo para tudo: tempo para chorar, tempo para rir; tempo para plantar e tempo para colher.
Esse problema em relação à percepção e à mensuração do tempo esteve presente em diversas civilizações. Nos cursos de formação do IBC, eu costumo ensinar sempre sobre dois mitos gregos que utilizo para explicar a relatividade psíquica do tempo. São os mitos de Chronos e Kairós.
Todas as palavras que derivam de Chronos, tais como “cronologia”, “cronômetro”, “cronograma”, aludem a uma noção de tempo que pode ser controlada e mensurada. Elas remetem a prazos, entregas e calendários, por exemplo. Chronos é, portanto, o senhor do tempo, mas do tempo cronológico. Ele representa o tempo que pode ser contado. Na mitologia grega dos antigos, Chronos foi o titã responsável por dar início à Era dos Titãs. Contam que ele devorava todos os seus filhos assim que nasciam, pelo medo de uma profecia que dizia que ele seria destronado por um deles.
Um dos seus filhos, porém, foi salvo: era Zeus. Este liderou uma revolta contra seu pai e resgatou seus irmãos, cumprindo assim a profecia. Por ter derrotado Chronos, Zeus e seus irmãos (Hades, Poseidon etc.) passaram a ser imortais. Dentre os inúmeros filhos que Zeus teve, o último deles foi Kairós. Kairós também representa o tempo, assim como seu avô Chronos. Porém, Kairós representa outro tipo de tempo: um tempo que não pode ser controlado nem mensurado.
Kairós é a personificação do tempo das oportunidades, do tempo subjetivo e individual. O tempo de Kairós é o tempo oportuno. E esse tempo, obviamente, não é sequencial, nem pode ser previsto.
Em nossa vida, experimentamos tanto o tempo de Chronos quanto o de Kairós, embora nem sempre exista equilíbrio entre eles. O mais comum é nos sentirmos atropelados pelo tempo cronológico, o tempo que limita as atividades do nosso dia a dia. A maioria das pessoas vive preso a esse tempo sequencial e mal percebe o tempo oportuno, o tempo de Kairós.
O tempo de Kairós, justamente por não ser sequencial, não passa como o tempo cronológico. Carregamos Kairós por toda nossa vida. Por isso, quando comecei a escrever este capítulo, eu disse que libertar-se do passado é algo difícil e também enigmático. Podemos, e devemos, nos libertar do passado no sentido de Chronos, mas nunca de Kairós. O nosso passadoacaba quando passa. O tempo cronológico é efêmero: dura apenas o breve instante presente e segue adiante, nunca capturado. Kairós nos acompanha por toda a vida: o tempo que vivenciamos como oportunidade de moldar nossa história.
Quero com isso dizer que devemos, sim, nos libertar do passado, mas jamais da nossa história. Devemos esquecer as coisas do passado, devemos deixá-las onde elas devem ficar: para trás. Porém não podemos nunca esquecer a nossa própria história, o lugar de onde viemos e o caminho que trilhamos.
Carregaremos sempre a nossa história, nossas derrotas, nossas batalhas, superações e conquistas. Porém não podemos ficar presos a elas. Na Bíblia Sagrada, o profeta Isaías diz: “Esqueçam o que se foi; não vivam no passado” (Isaías 43:18). Mas, você já parou pra pensar como seria possível esquecer algo que você carrega junto com você o tempo inteiro?
Gostaria de tomar a liberdade de fazer uma pequena digressão introdutória antes de nos aprofundarmos no assunto. Geralmente, eu costumo evitar citações bíblicas quando elas não são absolutamente necessárias. Porém eu não estaria sendo sincero se não admitisse a enorme sabedoria que podemos encontrar nas escrituras sagradas. E não me refiro somente à Bíblia cristã. Obviamente, por eu ser cristão, tenho um contato e uma intimidade muito maior com as escrituras sagradas da minha religião. No entanto reconheço conhecimentos e ensinamentos valiosos também no hinduísmo, no judaísmo e em muitas outras práticas que são verdadeiramente comprometidas com o bem.
Nesta breve digressão, eu gostaria de retomar a passagem bíblica que usei como epígrafe e também de compartilhar outra história contada por uma grande professora, filósofa e palestrante indiana, chamada Preethaji. O motivo disto é que acredito no poder das histórias. Acredito nas imagens mentais que elas são capazes de criar. Segundo palavras da própria Preethaji, em uma de suas conferências no TedX: “Histórias são formas de imortalizar mensagens”. E eu não poderia concordar mais.
Comecei este texto com uma passagem que senti como uma espécie de síntese do que eu quero dizer para você. Por isso, gostaria agora de compartilhá-la por inteiro: Não estou querendo dizer que já consegui tudo o que quero ou que já fiquei perfeito, mas continuo a correr para conquistar o prêmio, pois para isso já fui conquistado por Cristo Jesus.É claro, irmãos, que eu não penso que já consegui isso. Porém uma coisa eu faço: esqueço aquilo que fica para trás e avanço para o que está na minha frente.
Corro direto para a linha de chegada a fim de conseguir o prêmio da vitória. Esse prêmio é a nova vida para a qual Deus me chamou por meio de Cristo Jesus.
Todos nós que somos espiritualmente maduros devemos ter essa maneira de pensar […](Filipenses 3:12-15)
Quanta sabedoria não encerram esses versículos! Ao ler essa passagem, não pude deixar de impactar-me e de me identificar com o que li. Eu também não me considero perfeito. Honestamente, não posso sequer afirmar que seja possível atingir a perfeição neste mundo e neste plano. Mas, mesmo assim, eu sigo em frente, em busca de resultados extraordinários. Esse é o fundamento da minha carreira, da minha vida pessoal e da minha missão. Com os olhos sempre voltados para frente, eu sigo em busca do meu chamado e é isso que eu gostaria de compartilhar com você e com o mundo.
Talvez você não seja cristão, talvez tenha outra religião ou pode ser que não tenha nenhuma. Isso não é necessariamente um problema, se você estiver consciente e bem com você mesmo. Não pense que quero te convencer de algo. Peço apenas e unicamente que você se abra para o verdadeiro conhecimento, se fizer sentido para você. Esse conhecimento pode ser encontrado em diversas fontes: na natureza, em Deus, no Universo e, principalmente, dentro de você mesmo!
De qualquer forma é inegável o fato de que a crença em algo maior é um poderoso suporte para muitas pessoas. Já mencionei antes o poder das crenças; e a crença em uma força que nos guia não é diferente. Existem, inclusive, estudos científicos recentes que comprovam que a fé tem um incrível poder de cura. As coisas nas quais acreditamos tendem a se concretizar, e quanto a isso não restam dúvidas. Dito isso, retomemos nosso fio condutor: como ressignificar o passado e avançar para o que está em frente?
Não existe resposta fácil e muito menos um método mágico para isso. Enquanto carregarmos nosso passado conosco, ele estará presente em nossa vida. Para seguir em frente, precisamos nos livrar de cargas desnecessárias.
Quanto mais carregamos nosso passado conosco, maior o peso que devemos levar em nossa caminhada. E, convenhamos, podemos chegar muito mais longe livres do que carregando pedras pesadas.
Deixar que as coisas passem ou carregá-las, tudo depende de uma escolha que somente você pode fazer. A história que Preethaji utilizou para iniciar sua conferência vem bem a calhar nesse contexto. Tomarei a liberdade de compartilhá-la aqui, com minhas próprias palavras. É a história de dois monges indianos, Yesmi e Nomi.
Um dia, esses dois monges estavam caminhando por uma estrada de volta para seu monastério quando encontraram uma mulher chorando na beira de um rio. Eles se aproximaram dela e perguntaram o que a afligia. Em prantos, a mulher contou que precisava retornar para casa, pois tinha um filho pequeno que precisava de seus cuidados. Porém ela morava em uma vila que ficava do outro lado do rio.
Para voltar à sua casa ela precisaria atravessar aquele rio. Como a água do rio havia subido e aumentado sua correnteza, ela não era capaz de atravessá-lo sozinha. Isso a deixou extremamente triste e preocupada, pois seu filho ficaria chorando por ela, desemparado e sem cuidados.
Ao ouvir essa história, um dos monges, Yesmi, se ofereceu prontamente para ajudá-la. Ele pegou a mulher em seus braços e a carregou até o outrolado do rio, deixando-a seguir seu caminho de volta para casa sozinha a partir dali. Em seguida, ambos os monges continuaram sua caminhada de volta. O monge Nomi, contudo, parecia extremamente desconcertado com o caso que presenciaram.
Em certa altura da jornada, Nomi não pôde mais se conter e disse:
— Yesmi, você sabe o que você fez? Nosso mestre nos disse para nunca olharmos para nenhuma mulher, mas você falou com uma. Nosso mestre disse para nunca conversarmos com uma mulher, mas você tocou em uma. Nosso mestre disse para nunca tocarmos em uma mulher, mas você carregou uma em seus braços.
Yesmi ouviu calmamente tudo o que Nomi tinha a dizer, com tranquilidade e serenidade no olhar. Após um momento, respondeu:
— Sim, Nomi, eu falei, toquei e carreguei uma mulher. Mas eu a deixei do outro do lado do rio antes de continuarmos nossa caminhada. É você quem ainda a está carregando dentro de você mesmo.
Na maioria das vezes é isso que fazemos. Agimos como o monge Nomi, carregando não apenas o nosso próprio passado, mas também o das pessoas próximas de nós. Carregamos nossas escolhas, seja as acertadas, seja as erradas, como verdadeiras cargas. Não deixamos nossas escolhas no passado, onde deveriam ficar. Não deixamos nosso passado para trás. E comoé que nosso futuro poderá florir, se estivermos preenchidos de passado?
A única forma de viver o momento presente, como a dádiva que ele é, é sendo livre. É preciso se libertar de todo tipo de amarra: emocional, cognitiva, afetiva, inclusive de crenças limitantes e das decisões, escolhas e dores do passado. Nenhuma virtude verdadeiramente grande pode ser alcançada sem antes ter alcançado um estado de liberdade interna.
Costumamos pensar que apenas o tempo é capaz de produzir mudanças profundas. Mudanças que acontecem de pouquinho em pouquinho, de forma gradual e organizada. Mas, quanto mais o tempo passa, mais perdidos nos sentimos. Isso acontece quando estamos presos ao passado e buscamos uma salvação no futuro. Você sabe qual o grande erro por trás dessa forma de pensamento? O grande erro é esquecer o momento presente!
Passado e futuro não existem. A única realidade possível é a do momento presente, e esse momento é fugaz, passageiro. É impossível capturar o momento presente. A única forma de o tanger é vivê-lo e deixá-lo acontecer.
O futuro só existe quando se torna presente, ele só passa a se tornar real quando acontece. E quando o futuro acontece, ele já deixou de ser futuro, não é mesmo? O futuro que acontece já é o momento presente, e esse momento já terá passado antes mesmo que você possa descrevê-lo.
É por isso que devemos viver como se não houvesse amanhã! Porque, na verdade, não existe amanhã possível. O hoje de amanhã será sempre o ontem de hoje, e assim sucessivamente. Até quando? Eu não sei. Não sei, mas, também, não crio expectativas em relação a isso. Pois essa é apenas mais uma questão que nos desvia do verdadeiro foco: o AQUI e o AGORA.
Toda ação acontece no aqui e agora. Não existe ação possível fora do presente, da realidade do aqui e agora. Isso quer dizer que, se você quer construir o seu futuro, você precisa agir agora, no momento real e presente. Imagine uma situação de perigo. A única chance de sobreviver é agir nob momento. Todo o seu futuro depende de uma ação que só pode acontecer naquele determinado tempo e independe de tudo que já foi antes. Muitas de nossas escolhas são assim, mas nós nos recusamos a perceber isso.
Eu acredito cada vez mais, com base nos meus estudos e em todos os meus anos de experiência atuando como coach, que os problemas de ansiedade, de depressão e outros problemas psicológicos só acontecem no tempo. O que isso quer dizer? Quer dizer que, quando um problema acontece e nós não agimos no presente, nós criamos uma espécie de looping infinito. Quando vivemos sentindo e ressentindo as dores do passado, nós vivemos presos a momentos que já passaram.
Se você estiver revivendo sempre momentos passados, você irá, sem sombra de dúvidas, perder a chance de viver o seu momento presente.
Não podemos estar em dois lugares ao mesmo tempo. Não podemos, portanto, viver dois tempos ao mesmo tempo. Isso é óbvio, certo? Mas eu gosto sempre de dizer: o óbvio precisa ser dito. Se não estivermos no presente, estamos presos ou no futuro ou no passado. A liberdade, portanto, só é possível no aqui e agora.
Copyright: 628429976 – https://www.shutterstock.com/pt/g/kasto80