Eu sou um grande estudioso e interessado pela Psicologia, leio dezenas de livros sobre o assunto e converso com psicólogos que estão ao meu redor, contribuindo com nossa missão no IBC. Desses diálogos surgem teses, questionamentos e muito conhecimento sobre essa ciência extraordinária.
A Psicologia é um campo do conhecimento que, a grosso modo,estuda a psique e o comportamento humano. Esses comportamentos podem ser individuais ou coletivos, públicos ou privados, conscientes
ou inconscientes, internos ou externos etc. Embora seja um campo específico da ciência, não existe somente “uma” psicologia: existem muitas psicologias.
Dentro dessa área de conhecimento subsistem muitas teorias e vertentes que estudam fenômenos que podem coincidir ou não. Os métodos utilizados também são muito diferentes e variados, dependendo da vertente. A Psicologia Experimental, por exemplo, irá priorizar a observação direta de comportamentos públicos, a Psicologia Social irá focar na interação humana, processos grupais, ao passo que a Psicologia Positiva se interessa pelas forças de caráter e virtudes
humanas etc.
Ainda que existam essas divergências com relação ao objeto e ao método de investigação, acredito que existe um consenso entre as psicologias no que diz respeito ao caráter social do homem. O homem é compreendido como um ser social, ou seja, um ser marcado pelas relações nas quais sua vida está inscrita.
As relações e relacionamentos são fundamentais para a Psicologia Social, pois dizem respeito a algo que não se encontra em um ou outro indivíduo especificamente, mas entre os indivíduos. Assim, podemos pensar que o ser humano é um ser relacional porque são as relações que definem o caráter social e psicológico de cada um — seus mundos internos e externos.
Essas relações são processos dinâmicos e interpretativos da própria realidade. As relações inserem ou excluem indivíduos através de laços e vínculos que podem ser tanto institucionais, psíquicos, afetivos ou jurídicos. A vida coletiva e individual se insere no meio desse processo, o que nos permite pensar que não só a sociedade, mas também cada um de nós é uma teia de relações.
As relações não são, portanto, fenômenos estáveis, mas um conjunto de processos dinâmicos através dos quais se torna possível exprimir a vida coletiva e individual.
As relações assumem formas de interação determinadas principalmente pelas posições sociais que cada sujeito ocupa, criando uma distância ou uma proximidade social. Comumente divide-se as inúmeras modalidades de relações em três formas principais (FISCHER, 1999):
1. as relações interpessoais,
2. as relações institucionais e
3. as relações sociais.
Essa divisão é principalmente ilustrativa e não necessariamente
exclusiva, pois toda relação é sempre social, assim como as relações
institucionais são também sociais e podem ser interpessoais, num
sentido mais amplo.
1. As relações interpessoais
A forma mais direta e mais facilmente observável de relação humana é a interpessoal. Esse tipo de relação diz respeito à interação entre duas ou mais pessoas e os sentimentos das pessoas inseridas nessa situação.
Dois temas amplamente pesquisados sobre relações interpessoais são justamente o desenvolvimento das relações (como surgem, como se estabelecem e quais fatores influenciam esses processos) e as relações afetivas (amizade, matrimônio etc.).
Com relação ao desenvolvimento das relações interpessoais, inúmeros fatores entram em jogo: fatores culturais, de personalidade, socioeconômicos etc. Esse processo se inicia desde o nascimento, a partir do vínculo com os pais, como veremos mais a fundo com a Teoria do Apego.Dentre os fatores que predominam nas relações interpessoais entre adultos, pesquisas recentes têm mostrado que a aparência física é um importante elemento de atração interpessoal em praticamente
todas as culturas. Um estudo realizado na Universidade de Minnesota por Elaine Walster, Vera Aronson, Darcy Abrahams e Leon Rottman(1966) revelou que os homens atribuem maior valor à aparência física,enquanto as mulheres consideram as atitudes e os interesses comuns como fatores mais importantes.
Para compreender melhor esses dados precisamos também levar em conta duas coisas: primeiro que existem estereótipos de beleza em cada cultura. A atratividade física não é universal, mas qualificada social e culturalmente. Em segundo lugar, existe uma tendência a associar a atratividade com outros fatores, como interesses comuns, amabilidade, generosidade etc. Em outras palavras, quanto mais se gosta de alguém, mais essa pessoa se torna atraente. Outro tema relevante na Psicologia para o estudo de vínculos interpessoais são justamente as relações afetivas. As relações afetivas
são aquelas em que a dimensão de afeto prepondera sobre outros aspectos, como por exemplo as relações entre pais e filhos, namorados, casais, entre outros. Três componentes essenciais entram em jogo: o apego, a afeição e a intimidade.
Sabemos que, frequentemente, as relações conjugais se desgastam com o tempo. Esse desgaste se mostra de maneira similar em quase todos os casos: com o tempo ocorre uma atenuação dos sentimentos amorosos e do desejo sexual. Essa atenuação pode levar a uma relação
maior de amizade ou a um sentimento de desilusão por parte de um ou dos dois cônjuges.
Nesses casos passam a atuar muitas expectativas, frustações e desejos conflitantes. Uma relação de longa duração só perdura quando existe uma forte motivação em mantê-la. Pesquisadores chegaram a classificar essas motivações em dois grupos: os motivos intrínsecos e os extrínsecos.
Uma motivação intrínseca se baseia em fatos internos do próprio relacionamento, como as vivências compartilhadas, o prazer e a satisfação obtidos em função da relação. Uma motivação extrínseca é quando o relacionamento é mantido por razões externas como, por exemplo, comodidade, motivos financeiros, expectativas familiares etc.
Os pesquisadores também constataram que as relações mais satisfatórias e que tinham maior tendência de se sustentar por muito tempo eram justamente as relações em que os casais se relacionavam por motivos intrínsecos. Isso é muito interessante, você não acha?
Você já parou para pensar no que motiva as suas relações? Será que você tem se relacionado por motivos extrínsecos ou intrínsecos? Por fim, as relações interpessoais são a forma mais imediata de relações entre indivíduos. As relações, porém, também se desenvolvem dentro de estruturas que devem ser levadas em consideração. Essa é a segunda forma de relação: as relações institucionais.
Neste capítulo, meu interesse maior é ajudar você a pensar sobre as contribuições da Psicologia referentes às relações interpessoais. Agora, explicarei brevemente cada uma dessas formas de relação.Mais adiante, retomaremos com mais detalhes o desenvolvimento e o estabelecimento das relações interpessoais afetivas.
2. As relações institucionais
Não se pode reduzir as relações somente aos aspectos puramente intersubjetivos, de indivíduo para indivíduo. A maioria das relações,na verdade, não são simples e diretas. Elas se desenvolvem sempre no interior de um meio social específico.
Os meios sociais dos quais fazemos parte possuem estruturas de diversas instâncias, entre as quais se encontram as instituições. A família, a escola, o trabalho, a igreja, entre outros, são exemplos de
instituições das quais fazemos parte.
Assim, não se pode deixar de considerar a realidade social e institucional na qual uma relação se inscreve. O que verdadeiramente configura uma relação institucional é a forma organizada de se relacionar, situando os indivíduos em um sistema estabelecido segundo a função, o papel ou
posição social ocupada por cada um.
Esse modelo de organização é o que determina como as relações se desenvolverão. Um modelo burocrático, por exemplo, cria um modelo de relacionamento através de regras estritas.
O modelo de relacionamento dentro de empresas muitas vezes assume uma característica de impessoalidade, onde os indivíduos não se relacionam interpessoalmente, mas apenas de função para função. O fato de as instituições regularem as relações segundo modelos de atividade cria relações desiguais, que se expressam através de um desequilíbrio de poder. Elas acontecem sempre em meio a situações onde se expressam posições de superior-subordinado. Isso é claramente
perceptível em instituições com hierarquias rigidamente definidas e consolidadas como, por exemplo, na Polícia Militar e nas Forças Armadas: um superior dá ordens e os subordinados são compelidos a
obedecer, sob pena de detenção por insubordinação e desobediência hierárquica caso se recusem.
Não apenas nessas instituições militares as relações institucionais são relações de poder. Isso também existe de modo mais ou menos análogo, embora menos severo, dentro de empresas e famílias, nas relações entre patrão-empregado, professor-aluno, pai-filhos etc.
Nessas relações institucionais existe sempre uma parcela desigual de poder entre as partes, na qual uma possui sempre uma autoridade maior que a outra. Uma das partes ocupa uma posição institucional que lhe confere meios de impor aquilo que ele quer sobre a outra parte. Essa percepção evidencia o caráter conflitante dessas relações. Toda relação institucional é uma relação de conflito. Geralmente as pessoas têm tendência a negar essa realidade e considerar todo conflito como “ruim”. Na verdade, o caráter conflituoso das relações é inerente a toda relação institucional.
Toda sociedade cria organizações e estruturas que produzem diferenciações e separações entre os indivíduos. Essas diferenciações estabelecem necessariamente um sistema de desigualdade.
É por isso que não se deve entender os conflitos nas empresas apenas como mal-entendidos, desentendimentos ou sentimentos negativos entre indivíduos.
Podemos entender facilmente a natureza desse conflito quando percebemos que os indivíduos que são demandados a fazer algo nesse tipo de relação não possuem os mesmos motivos nem interesse que a pessoa que está na posição de demandar. Isso cria, naturalmente, um conflito de interesses.
3. As relações sociais
A terceira forma principal de relação são as relações sociais. Essa forma coloca em evidência o contexto, as classes e posições sociais ocupadas pelos indivíduos. Podemos considerar uma sociedade como sendo uma repartição de grupos diferentes em um mesmo território e compartilhando critérios econômicos, culturais, linguísticos etc.
Essa repartição de grupos diferentes revela uma separação e uma categorização de posições e classes sociais distintas. Há alguns séculos a mobilidade social era extremamente rara e existiam castas sociais hereditárias como nobres, aristocratas, plebeus, escravos etc. Atualmente o critério de divisão e separação é majoritariamente econômico, embora infelizmente ainda exista uma forte divisão social baseada em critérios raciais e de gênero.
Portanto, cada relação também compreende uma distância social entre as posições ocupadas pelos indivíduos envolvidos. Além dessa distância, existe também um nível de diferenciação entre indivíduos e grupos que marca toda relação social.
Quando se investiga interações intergrupais, trata-se necessariamente de relações sociais. E as relações entre grupos sempre envolvem uma experiência de diferenciação. Essa experiência se manifesta como uma forma de se singularizar, de tornar visível certas diferenças que o caracterizem e diferenciem de outros grupos.
Essa experiência é perfeitamente normal em relações intergrupais. Torcedores de determinado time de futebol vestem camisas com cores específicas para se diferenciarem de torcedores de outros times.
Alguns grupos sociais usam cortes de cabelos específicos, brincos, roupas e calçados que os diferenciem e singularizem em relação aos outros grupos. É comum vermos isso de forma estereotipada em filmes de adolescentes em que existem divisões claras de tribos — os nerds,
os atletas, as líderes de torcida etc.
Existem, entretanto, alguns fenômenos sociais problemáticos que surgem como efeito dessa experiência de diferenciação. Quando existe uma forte necessidade de se singularizar através da acentuação de diferenças internas, essa diferenciação intergrupal aumenta a distância
que existe entre os grupos, criando uma visão dicotômica do mundo que funciona da seguinte maneira: “Nós/Eles” ou “Nós/Os Outros”. Essa categorização simplória do mundo cria um mecanismo de valorização e desvalorização de indivíduos pertencentes a outros grupos conforme o grau de distância e diferenciação que apresentam. Esse mecanismo está intimamente relacionado às atitudes racistas e preconceituosas enraizadas na cultura de nossa sociedade.
Essas são as três principais formas de relações estudadas. Para concluirmos, gostaria de acrescentar apenas que, permeando todas essas formas, existe ainda outro elemento importante a ser levado em consideração: o contexto. O contexto relacional, tanto em relações interpessoais, institucionais ou sociais, é o que determina o papel que cada indivíduo assume. Toda relação acontece entre determinados papéis. A relação coach/coachee, por exemplo, compreende dois papéis bem definidos dentro de uma sessão. Fora de atendimento, porém, a pessoa que estava no papel de
coach, naturalmente assumirá outros papéis, como o papel de pai, de filho, de esposo, de cidadão etc.
Nas relações os papéis que assumimos são extremamente importantes,pois eles estabelecem um parâmetro de interação social conforme as normas de cada contexto.
Copyright: 761789509 – https://www.shutterstock.com/pt/g/Dmytro+Zinkevych