Ao longo da história, as pessoas perceberam fenômenos que não conseguiam explicar e, por isso, desenvolveram diferentes tradições religiosas. As religiões foram concebidas com o objetivo de explicar aquilo que cientificamente ainda não conseguimos, desenvolvendo crenças em divindades, em espíritos e em forças da natureza.
Um ponto que parece ser comum a diversas religiões é também ajudar os seres humanos a lidarem melhor com os sofrimentos na vida terrena. Nesse sentido, a tradição budista contempla um preceito conhecido como “As 4 nobres verdades”. Ainda que seja um conceito originado em uma tradição específica, todos nós podemos nos beneficiar dessa reflexão. Confira!
As origens das 4 nobres verdades
Segundo a tradição budista, Buda desenvolveu as 4 nobres verdades como um ponto de partida para explicar o sentido da vida, de uma forma mais didática. As 4 nobres verdades sobre o sofrimento são explicações para que as pessoas com coração nobre compreendam e saibam lidar melhor com as adversidades da vida. Elas explicam os estados de consciência presentes no universo e revelam como podemos nos libertar da ilusão. As 4 nobres verdades são:
- A verdade sobre o sofrimento
- A verdade sobre as origens do sofrimento
- A verdade sobre a cessação do sofrimento
- A verdade sobre os caminhos para a cessação do sofrimento
As duas primeiras verdades têm relação de causa e efeito, assim como as duas últimas. Segundo a tradição, o modelo didático de Buda foi explicar o problema, apontar as suas causas, revelar a solução e indicar como chegar a essa solução. São conceitos profundos, elaborados com clareza e compaixão.
A primeira nobre verdade: o sofrimento
A primeira nobre verdade, segundo Buda, afirma que “não é possível ao ser humano conquistar total satisfação neste mundo”. Assim, o sofrimento faz parte da vida de todos nós, sem exceção.
Os sofrimentos podem ser classificados de três formas: os dois sofrimentos, os três sofrimentos e os oito sofrimentos.
Os dois sofrimentos
- Internos: fazem parte de nós mesmos, como dor física, ansiedade, medo, ciúme, suspeita, raiva etc.
- Externos: têm causas que estão fora de nós, como vento, chuva, frio, calor, seca, desastres naturais, guerras, crimes, entre outros.
Nenhum dos dois tipos pode ser evitado.
Os três sofrimentos
- Inerentes: sofrimentos que fazem parte da vida, pelo simples fato de estarmos vivos: frio, fome, dor.
- Latentes: dores que aparecem mesmo nos momentos felizes, como objetos que se quebram, pessoas que morrem, o processo de envelhecimento, o fim das ocasiões agradáveis.
- Ativos: sofrimentos provocados pelas ilusões que nós mesmos criamos: expectativas, frustrações, desejos, ansiedade, medos, impotência diante das mudanças etc.
Os oito sofrimentos
Os oito sofrimentos são detalhamentos dos sofrimentos aos quais todos nós estamos sujeitos ao longo da vida.
- Nascimento: a dor e o medo de nascer, em que tornamo-nos “prisioneiros” do corpo físico e do mundo em que vivemos.
- Envelhecimento: a deterioração do corpo e da mente, enquanto assistimos à partida dos nossos amigos e familiares.
- Doença: momentos de dor e preocupação por perda momentânea da saúde, seja física, seja mental.
- Morte: inevitável, a morte sempre assusta, seja ela lenta e dolorosa, seja repentina. Nunca sabemos quando chegará.
- Perda de um amor: a dor da perda física daqueles a quem amamos, bem como a dor de um amor não correspondido.
- Ser odiado: ter inimigos no mundo pelos mais diversos motivos.
- Desejos não realizados: expectativas e frustrações decorrentes de desejos não satisfeitos, o que gera insatisfação.
- Os cinco Skandhas: forma, sensação, percepção, atividade e consciência — são os meios conscientes pelos quais manifestamos os sofrimentos acima.
A segunda nobre verdade: as origens do sofrimento
A origem do sofrimento está na raiva, na cobiça, na ignorância e no apego às fontes de ilusão do mundo terreno. Segundo Buda, é importante compreender o sofrimento e a impossibilidade de evitá-lo. No entanto, podemos compreender as causas do sofrimento para amenizá-lo ou para lidar com ele com mais aceitação e serenidade. Confira as causas fundamentais.
- O eu não está em perfeita harmonia com o mundo material: sofremos para nos adaptar ao mundo — um dia está frio, outro dia está quente, a casa é muito pequena, a rua é muito barulhenta, as roupas se gastam, enfim, o mundo material quase nunca é do jeito que gostaríamos.
- O eu não está em harmonia com as outras pessoas: nem sempre estamos na companhia das pessoas que queremos e frequentemente estamos na presença de pessoas com quem temos dificuldade de relacionamento.
- O eu não está em perfeita harmonia com o corpo: não temos tanto controle sobre o nosso corpo como gostaríamos — ele nasce, cresce, envelhece, adoece, sente dores e morre.
- O eu não está em perfeita harmonia com a mente: também não controlamos a mente, que sente medo, ansiedade, pensamentos acelerados, negatividade e ilusões em geral.
- O eu não está em perfeita harmonia com os seus desejos: entendemos que os desejos geram sofrimentos, mas não conseguimos controlá-los. Sempre queremos mais, na tentativa de sermos felizes, mas a frustração de não conseguir gera dor.
- O eu não está em perfeita harmonia com as suas opiniões: nem sempre as nossas crenças estão alinhadas com a verdade, o que gera conflitos e arrependimentos, pois decisões equivocadas podem ser tomadas. Sem aprendizados, podemos repetir os mesmos erros muitas vezes.
- O eu não está em perfeita harmonia com a natureza: há sofrimentos causados por condições da natureza que não estão sob o nosso controle, como frio, calor, chuva, terremotos, maremotos, secas, presença de outros seres vivos etc.
A terceira nobre verdade
A terceira nobre verdade é a cessação do sofrimento, o que é conhecido como “nirvana” no Budismo, um estado que não pode ser descrito por meio de palavras. Trata-se de uma realidade em que simplesmente estão superadas a cobiça, a inveja, a raiva, a ignorância e o sofrimento.
Consiste basicamente em eliminar o desejo e o apego, de modo que possamos pôr um fim a dualidades e distinções entre certo e errado, você e os outros, o bem e o mal, a vida e a morte.
A quarta nobre verdade
Por fim, a quarta nobre verdade é o caminho para a iluminação, ou seja, os ensinamentos que, segundo Buda, nos conduzem à cessação do sofrimento e ao nirvana. A tradição budista afirma que a cessação do sofrimento depende de passarmos pelo Nobre Caminho Óctuplo, que consiste em 8 práticas para cessar a ganância, o ódio e a ilusão — apontados como as raízes do sofrimento.
Esses 8 passos são:
- Compreensão correta: entender e aceitar as coisas como de fato são.
- Pensamento correto: querer o bem, desenvolvendo virtudes e afastando-se da má vontade em relação aos outros e do desejo de fazer o mal.
- Fala correta: não mentir, falar coisas vãs ou usar palavras agressivas. Sempre falar a verdade, de forma construtiva, harmoniosa e conciliadora.
- Ação correta: abster-se de fazer o mal, de tomar o que não é seu etc.
- Meio de vida correto: ser equilibrado, não causar mal a outros seres, ter uma profissão honesta.
- Esforço correto: cultivar estados benéficos e abandonar estados prejudiciais, como vícios e repetição de erros.
- Consciência correta: manter o corpo, a mente, a fala e as atitudes sempre em consonância entre si e com o caminho óctuplo.
- Concentração correta: estabilidade e foco mental.
Segundo a tradição budista, as quatro nobres verdades foram os primeiros e também os últimos ensinamentos de Buda, pois serviram como base para a compreensão de muitos outros conceitos do Budismo e foram resgatados nos anos finais da vida do líder.
As verdades formam o cerne da filosofia budista e fornecem um guia para entender o sofrimento humano e o caminho para a libertação. Elas são frequentemente ensinadas e contempladas por praticantes budistas em busca de sabedoria e iluminação, mas também podem ser compreendidas e tomadas como referência por quem não é dessa tradição, mas almeja uma vida de mais entendimento e harmonia.