I. Dinâmica da mudança
É impossível falar de psicossociologia ou de psicologia social sem se referir a Kurt Lewin, psicólogo americano de origem alemã e considerado por muitos como o pai da psicologia social moderna. Kurt Lewin desenvolveu uma concepção de mudança definida pelo modelo de psicologia que ele defendia: uma psicologia caracterizada por uma teoria cientifica que explicasse as relações entre pessoas e sociedades da mesma forma que ciências naturais como a física e a matemática explicavam a natureza.
A teoria de Kurt Lewin é definida em termos de campos de força, de vetores, de intensidade e de equilíbrio. Esses termos evocam diretamente as noções de campo eletromagnético da física. Esse campo de forças serve como uma metáfora para o campo psicológico e social. Assim, a dinâmica da mudança que Kurt Lewin propôs, seja ela pessoal, organizacional ou social, é definida como uma série de estados sucessivos do campo psicossocial que constitui a totalidade das relações entre pessoas, sociedade e ambiente material.
Essa totalidade é um campo mais ou menos estável, mas que se encontra em um processo contínuo de transformação. Essa transformação, ou mudança dinâmica, compreende três fases: a descristalização, o deslocamento e a cristalização.
II. Abordagem sistêmica da mudança
A abordagem sistêmica surge na década de 1950, oferecendo uma ampliação da teoria da dinâmica da mudança. Ela propõe que os sistemas são uma totalidade de elementos, individuais, sociais e organizacionais, que são interdependentes entre si e que interagem de forma complexa e plural com outros sistemas.
Esses sistemas podem se manter estáveis ou operar mudanças conforme uma intrínseca cadeia de necessidades que demandam equilíbrio através de regulações internas e externas. Essas regulações podem ser simples e mecânicas, equivalentes às regulações de troca de calor da termodinâmica, ou podem ser mais complexas, como autorregulações e manutenção de produção do sistema. De qualquer forma, o ponto central é que existe uma estruturação dinâmica de elementos interdependentes que estão em contínua interação e que formam um todo.
Essa concepção sistêmica do todo é importante para a história do desenvolvimento dos conhecimentos psicológicos e sociológicos porque ela permitiu que se colocasse em destaque todos os elementos de um determinado quadro vivenciado por uma pessoa: desde as motivações individuais, recursos disponíveis, crenças, pressões do meio, anseios e resistências, por exemplo. A relação de interdependência desses elementos é, obviamente, extremamente complexa. Cada elemento individual influencia o sistema e seus elementos, e é ao mesmo tempo influenciado individualmente pelo todo do sistema.
Mas o interessante é que essa visão nos permite pensar em fatores de forças atuantes e qual o sentido vetorial dessas forças. Isso significa ao menos tentar analisar e avaliar quais forças atuam na descristalização, no deslocamento e na manutenção dos elementos envolvidos no processo de mudança.
III. Mudança planejada
A terceira concepção de mudança apontada por Jaques Rheaume também foi influenciada pelas ideias de Kurt Lewin. Embora se apoie sobre as bases da dinâmica da mudança e da visão sistêmica, a mudança planejada se configura como uma abordagem caracteristicamente norte-americana: sua filosofia é o pragmatismo social. A mudança planejada é justamente uma mudança definida como o resultado de um plano, de uma vontade e de uma intenção de se chegar a um novo estado desejado, seja ele individual, grupal ou organizacional.
Essa mudança planejada decorre de um processo racional de resolução de problemas. Isso ocorre como um paralelo operacional do modelo predominante de pensamento cientifico da época, que era a ciência experimental. Primeiro formula-se uma questão, um problema a ser pesquisado, criam-se hipóteses e formula-se um plano experimental. Os resultados obtidos são avaliados em função das hipóteses levantadas. A mudança planejada possui uma estrutura semelhante, mesmo em ações cotidianas. Quando surge uma situação adversa ou uma necessidade de mudança, identificam-se os problemas, ou obstáculos, e cria-se um plano de ação, que nesse caso seriam estratégias ou táticas de mudanças para se obter um resultado esperado.
Por fim, avalia-se o resultado obtido. Essa avaliação final é o que define se a mudança ocorreu ou se é preciso relançar novas estratégias e táticas. Nessa abordagem, dá-se uma ênfase muito maior aos resultados, à praticidade e aplicabilidade do que a construção de conceitos teóricos especulativos, por exemplo.
IV. Desenvolvimento pessoal, organizacional e social
A quarta abordagem, também muito influente nas concepções psicológicas e sociológicas da mudança, é a do desenvolvimento. Esse desenvolvimento pode ser tanto pessoal quanto organizacional ou social. Quando falamos em desenvolvimento pessoal na psicologia, não podemos deixar de mencionar um paralelo com a noção biológica de crescimento de um organismo. O conceito de desenvolvimento foi inspirado pela metáfora do crescimento do germe ao organismo adulto. Isso ocorre através de passagens progressivas por estágios de maturação. Nesse sentido, as teorias de desenvolvimento psicológico supõem, portanto, um estado inacabado, incompleto ou imperfeito, que se desenvolve através de mudanças em direção à sua plena maturidade.
Essa abordagem ameniza as ideias de mudança mais radicais, que envolvem ruptura, revolução ou transformação estrutural. A mudança como desenvolvimento é antes um progresso contínuo. As mudanças para o desenvolvimento atuam como fases de crescimento. Desenvolver-se, contudo, não significa estar livre de obstáculos, como você já deve saber bem. Esse processo nunca é tão linear e perfeito a ponto de não sofrer com a interferência de vários fatores contrários ou limitantes. Se realizar plenamente é um objetivo difícil de ser atingido sem o enfrentamento de diversas crises. Portanto, para se desenvolver, também é preciso algumas transformações, porém sempre em função de uma maturação final.
V. A mudança e o inconsciente
Uma outra tradição psicossociológica de abordagem da mudança que queremos destacar é a crítica fundada na teoria psicanalítica. Com base na psicanálise de grupo e do meio social coletivo, essa abordagem trouxe para a superfície a importância decisiva do inconsciente e do imaginário como fontes ou obstáculos para mudanças. A questão do inconsciente no processo de mudança colocou em cheque os modelos anteriores porque eles possuíam em comum um pressuposto de liberdade. Com a teoria psicanalítica, questionava-se os aspectos voluntaristas e racionalistas da mudança ao confrontá-los com as manifestações determinantes do inconsciente humano.
Se nossa conduta é influenciada por forças inconscientes, como sustentar um modelo de mudanças planejadas e racionais? Com a introdução da noção do inconsciente psicanalítico, seria necessário, no mínimo, levar em consideração que nem todas as mudanças podem ser intencionais ou voluntárias. Existem mudanças que se dão por fatores que desconhecemos, e que podem até mesmo não ser perceptíveis para nós mesmos. Existem muitas ramificações nessa abordagem. Alguns autores, por exemplo, inseridos na tradição marxista ou pós-marxista, desenvolveram um modelo de pensamento crítico para a mudança.
Eles colocaram em evidência as relações sociais de poder existentes nos modelos anteriores de mudança, apontando que existem mecanismos de adaptação, de manipulação e de reprodução da ordem estabelecida. Principalmente nos níveis organizacionais e institucionais. Em geral, as mudanças nesses âmbitos podem ser arbitrárias e impostas hierarquicamente, num plano vertical – de cima para baixo. Isso coloca em cheque, também, a nossa própria noção de liberdade e de autodeterminação frente às mudanças. Não é por acaso, portanto, que essas correntes de pensamento tenham se desenvolvido principalmente na Europa, particularmente na Alemanha, na França e na Grã-Bretanha. A psicanálise ocupou um espaço central nas culturas europeias no século XX, ao passo que nos Estados Unidos ocorreu um movimento contrário.
Nas culturas norte-americanas prezou-se por modelos pragmáticos, tanto com uma sociologia funcionalista quanto com modelos psicológicos experimentais, como o Behaviorismo, por exemplo. Com essas cinco classificações, busquei resumir a origem das mais importantes correntes de pensamento psicossociológico que abordaram o tema da mudança. Minha intenção foi de propor uma visão sumária dessas principais correntes de forma distinta. Evidentemente que cada uma dessas abordagens merece um detalhamento maior, principalmente para que possamos discutir as nuances que delimitam cada uma delas.
Essas nuances criam distanciamentos que justificam a classificação e a divisão que acabamos de ler, mas também criam proximidades e sínteses. Dessas abordagens ramificaram-se e desenvolveram-se inúmeras outras, além de existirem cruzamentos entre elas. Cabe destacar, por exemplo, que o primeiro cruzamento a surgir foi justamente entre as duas primeiras abordagens, surgindo assim uma abordagem “dinâmica da mudança planejada”. Esse cruzamento associa a mudança intencional e pragmática com a concepção teórica das transformações de um sistema social. Outro cruzamento foi o da mudança enquanto “desenvolvimento organizacional planejado”, que representa uma variação da dinâmica da mudança planejada.
Nessa proposta, entram em cena os aspectos históricos e evolutivos de uma organização especifica que passa de estados incompletos até um estado potencial mais decisivo. No âmbito pessoal, também existiram cruzamentos da concepção de mudança como desenvolvimento com a noção de inconsciente. Algumas correntes psicológicas humanistas, por exemplo, sustentariam que o ser humano possui uma tendência inerente ao desenvolvimento, superando assim a crítica da intencionalidade e do voluntarismo. Por fim, existem tantos trabalhos e propostas de integrações dessas tradições que eles acabam muitas vezes se distanciando radicalmente um dos outros.
Alguns autores partem de fundamentos e bases teóricas muito diferentes, integrando parcialmente um conjunto complexo de saberes que vão desde o existencialismo, a fenomenologia, a sociologia, a psicologia e a psicanálise, por exemplo. Seja qual for o modelo teórico de abordagem, nós precisamos nos atentar para o fato de que é preciso que haja um direcionamento ético para a aplicação prática desses conhecimentos. As intervenções propostas pelas diversas abordagens sociológicas e psicológicas atualmente devem sempre ter um comprometimento ético com uma visão emancipadora do homem.
Copyright: 1053519275 – https://www.shutterstock.com/pt/g/chaiyawat+sripimonwan